A Força Tarefa da Lava Jato convocou entrevista
coletiva nesta quarta-feira (30) para repudiar o texto final do pacote de
medidas anticorrupção aprovado nesta madrugada na Câmara dos Deputados.
Os procuradores ameaçaram renunciar caso o projeto seja sancionado pelo
presidente Michel Temer. "Não será possível continuar a Lava Jato se a lei
da intimidação for aprovada. Vamos renunciar coletivamente", disseram
eles.
Onze integrantes do grupo de investigação afirmaram que podem deixar a
força tarefa e seguirem para os seus Estados e atribuições de origem se a lei
que veda a independência de promotores, procuradores e juízes – nominada de
"Lei da Intimidação" – for aprovada.
"Se nós os acusarmos, nós seremos acusados", resumiu o
procurador da República e um dos coordenadores da investigação, Carlos Fernando
dos Santos Lima. "As mudanças na lei são claras no sentido de
responsabilizar pessoalmente procuradores, magistrados e promotores. Os
parlamentares aproveitaram um projeto contra a corrupção para se
proteger", disse.
De acordo com o procurador da República Deltan Dallagnol, o Congresso
"sabe muito bem o que está fazendo", embora esteja fugindo dos
interesses da sociedade. "O mesmo espírito de autopreservação que moveu a
proposta de autoanistia moveu e move a intimidação de promotores, procuradores
e juízes. O objetivo é estancar a sangria", afirmou. Ele se refere a um
áudio vazado em que o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) havia
mencionado que era necessário "estancar a
sangria" provocada pela Operação Lava Jato.
Reação
Personalidades e instituições do Judiciário criticaram a aprovação
da emenda que possibilita a punição de juízes e promotores responderem por
crime de abuso de autoridade. Para a presidente do STF (Supremo Tribunal
Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministra Cármen Lúcia, o
texto aprovado ameaça a independência dos
juízes.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que o "melhor no projeto foi excluído
e medidas claramente retaliatórias foram incluídas". Em sua
visão, "a emenda aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer
Ministério Público e Judiciário".
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores Federais), por meio de seu
presidente, José Robalinho Cavalcanti, classificção a aprovação do projeto como
"absoluta destruição" em relação à proposta original, enviada pelo
MPF (Ministério Público Federal). Já o presidente da Ajufe (Associação
dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso, disse que, se o projeto for
aprovado pelo Senado, a entidade vai recorrer ao STF (Supremo Tribunal
Federal).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
disse, ao encerrar a sessão na madrugada, tratar-se de uma decisão
"democrática do plenário". "Mesmo que não tenha sido o que
alguns esperavam, isso foi o que a maioria decidiu", afirmou.
Opinião dos procuradores
Segundo a força-tarefa da Lava Jato, o texto original das Dez Medidas
Contra a Corrupção passou por uma ampla discussão nas comissões das Câmara,
contando com a coleta de depoimento de mais de 100 especialistas. "O texto
final da comissão foi extremamente positivo, aprovado na unanimidade. Mas, ao
chegar ao plenário, foi deformado. Rasgou-se o texto para uma medida favorável
à corrupção", analisou Dallagnol.
Embora a força tarefa tenha negado a existência de um conflito entre
poderes no Brasil, Lima afirmou que a comoção nacional causada pela queda do
avião da Chapecoense, na Colômbia, foi usada para permitir as alterações no
projeto, ludibriando a população. "Depois de meses de discussão, em uma
noite, muda-se toda a legislação e se cria a intimidação. Quem se aproveitou de
um desastre não fomos nós. Agimos com clareza e transparência e, em uma
madrugada, tudo se pôs a perder", ressaltou.
Dallagnol foi mais longe e afirmou que, com a aprovação das medidas, o
primeiro sentimento é de que a investigação possa ser inútil. "Era uma
oportunidade incrível para fechar brechas na corrupção e traçar um novo rumo
para o Brasil. Não queremos nos sobrepor ao parlamento e o respeitamos. Levamos
a eles problemas que demandavam soluções e geravam impunidade a casos de
corrupção. A resposta foi: vamos deixar que a impunidade continue
reinando", diz.
Em uma posição semelhante à do juiz Sergio Moro, que em palestra na
semana passada afirmou que o caso Mãos Limpas, na Itália, servia de alerta à
Lava Jato, a operação brasileira pode ter um resultado muito diferente do que
se espera, com um Estado ainda mais corrupto e protegido por leis. "Esses
projetos tornam o Estado pior do que era antes. Foi o que aconteceu na Itália e
é neste caminho que estamos seguindo", analisou Dallagnol.
Pacote aprovado com mudanças
Aprovado por 450 votos contra 1 no início da madrugada desta
quarta-feira (30), o texto-base do projeto de lei com o chamado pacote de
medidas anticorrupção recebeu diversas alterações em sessão extraordinária. A
polêmica anistia à prática do caixa 2 não entrou no pacote. Entre as mudanças
aprovadas, porém, está a inclusão no texto da possibilidade de juízes e
promotores responderem por crime de abuso de autoridade. O texto segue agora
para votação no Senado.
O argumento dos parlamentares para a aprovação da medida era que não
poderia se admitir no país mais "privilégios a ninguém". "Essa
emenda permite que todos se comportem dentro da lei", disse o líder do PC
do B, Daniel Almeida (BA). A emenda, apresentada pelo PDT, era alvo de críticas
da força-tarefa da Operação Lava Jato e recebeu 313 votos a favor e 132
contrários (cinco deputados se abstiveram).
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